quinta-feira, março 23, 2006

Par les mots je me suis divinisé



Não acredito que algumas línguas sejam mais nobres que outras. Nem tão pouco que as precedam em estilo ou o que seja. Acredito apenas que ao traduzir um texto se descobre um outro texto.Um novo texto. Novas qualidades, novos efeitos. As palavras são, por isso, inesgotáveis, no sentido em que existem milhares de línguas e em cada uma pousa um manancial de efeitos sobre aquele que lê.
O texto que se segue é originalmente português, o que transcrevo está em francês e é outra coisa. Não é melhor. Não é pior. É OUTRA COISA.

La céremonie des adieux

Il y a des femmes qui veulent que leur homme soit le soleil. Le mien, je le veux nuage. Il y a des femmes qui parlent avec la voix de leur homme. Moi, je veux qu’il se taise et garde mes silences. Afin d’être ma voix quand Dieu me demandera des comptes. Quant au reste, qu’il ait peur et me laisse être femme ; même si pas toujours SA FEMME. Qu’il soit les marées, le simple cycle des eaux et des vents. Et, parfois qu’il soit femme autant que moi. Ses mains, je les veux fermes en me déshabillant. Mais surtout je veux qu’il sache m’habiller. Comme si je m’habillais moi-même et il serait la main de ma vanité. Il y a très long temps, je me suis marié, moi aussi. J’ai perdu une vie entière avec ce quelqu’un-là. Jusqu’au moment qu’il est partie. Quand il ma laissé ce n’est pas moi qu’il a quitté. Parce que je n’étais déjà plus la même, habitué à n’être plus personne. Quelques fois ça me fait encore très mal de penser à lui. Je me souviens du temps où je m’enchantai , c’était tout au début. J’étais jeune…j’avais seulement 19 ans. Quand il m’adressa la parole, ce tout premier jour, je m’aperçus que jusqu’à ce moment-là, je n’avais jamais parlais à personne. Ce que j’avais fais c’était « échangé » des mots, je veux dire, me servir des mots.
Mais parler c’est autre chose, c’est le pont sacré auquel ont est suspendus au dessus de l’abîme . Parler c’est autre chose, je vous assure.
Cette fois, avec cet homme, par les mots je me suis divinisé.


A Despedideira, Mia Couto.

4 comentários:

tatiana disse...

Acredito que cada língua tem a sua própria música. Umas podem ser mais agradáveis ao ouvido que outras, mas não deixam de ser "música".

Adorei esse texto.

"Porque não sou por mim. Existo reflectida, ardível em paixão. Como a lua: o que sou é por luz de outro."

"Como quem tem um corpo apenas pela ferida de o perder."

"Sabe o que descobri? Que a minha alma é feita de água. Não me posso debruçar tanto. Se não me entorno e ainda morro vazia, sem gota."

"Dispensei uma vida com esse alguém. Até que ele foi. Quando me deixou já não me deixou a mim. Que eu já era outra, habilitada a ser ninguém."

Alguns excertos da "Despedideira", que me encantaram. =)

***

Sílvia S. disse...

Também adorei o texto! E a tradução que fizemos resultou tão bem que não resisti...
*

M. disse...

Bem, numa palavra: adorei.
Não conheço "A Despedideira" mas pelo que vejo é muito bom. Se foram estas meninas dos comments que fizeram a tradução então estão de parabéns porque gostei muito do que li. De facto as palavras carregam com elas uma energia, uma força qualquer que dá muitos sentidos ao sentido e que se sente em todos os sentidos.
Bom trabalho!
***

Anónimo disse...

ahahah! foste buscar isto por causa do que eu disse não foi?
Tá fixe!