terça-feira, abril 04, 2006

Ringleader of the Tormentors


O regresso da "Velha-Guarda"

De volta com Ringleader of the Tormentors, Morrissey quebra o silêncio de dois anos sobre You Are the Quarry. O lendário líder da igualmente lendária banda The Smiths não arruma as botas (Doc Martins, leia-se) por nada deste mundo, nem do outro.
O seu último trabalho pode muito bem não ser Morrissey ao seu mais alto nível, de qualquer forma, uma vez atingido o pico, a única forma de continuar só pode ser em sentido descendente. Felizmente a descida não é muito pronunciada, e Ringleader of the Tormentors é, ainda, um álbum para ouvir de fio a pavio, com alguns pontos mortos, é certo, mas sobretudo um disco que nos permite rever um velho amigo.
As características que lhe valeram, no passado, o título de "principezinho das trevas" pop/rock em Inglaterra continuam a prestar-lhe bom serviço. Não obstante ser uma fórmula repetida, neste caso sabe sempre bem re-ouvi-la, daí se conclui que o seu estatuto é o único culpado daquilo que noutros casos se julgaria indulgência. Por outro lado aquilo que sempre caracterizou Morrissey – o seu rock de velha guarda com toques líricos de gótico, melancolia, morte, morte e morte permanece lá, e o mais espantoso é que continua a ser um acto de prazer ouvi-lo (repetições e lamechices inclusivé).
A temática da morte, da violência psicológica, da solidão, da incompreensão são sem dúvidas as constantes ao equacionar a carreira de Morrissey, e o seu último disco, logicamente não é excepção. Algumas faixas deste Ringleader roçam perigosamente o monótono e o entediante, sobretudo Dear God, Life is a Pigsty, At Last I am Born e I’ll Never Be Anybody’s Hero Now (nesta última como na primeira, o exacerbamento sentimental atinge picos inacreditáveis) deixando muito a dever a Morrissey-o-lider-dos-Smiths, para materializar um Morrissey-onde-raio-estavas-com-a-cabeça. E se nesta miríade malfadada receamos o pior, de seguida recebemos confirmação de que tais desconfianças não são válidas.De facto, todas as restantes canções são belas canções, algumas até com bastante força “antémica”. De destacar - e a concorrer para esse efeito de hino - o uso de um coro infantil como background vocals, o que constitui uma antítese sublime, especialmente quando se ensaiam crianças para dizer “and a a father who must be killed”… De resto, este recurso foi já explorado pelos Pink Floyd em The Wall produzindo em Morrissey basicamente o mesmo efeito: uma força invulgar para The Father Who Must Be Killed e The Youngest Was the Most Loved.
O primeiro single a extrair de Ringleader of the Tormentors é You Have Killed Me. Longe de ser a melhor canção do trabalho possui, no entanto,uma mais-valia inestimável: aquilo que aparenta ser uma letra sobre um morto-vivo (yes I walk around somehow, but you have killed me).
Numa vida passada, se existe tal coisa, Morrissey foi, certamente, fadista. A forma como gorjeia com a sua voz, ondulando-a, fazendo-a a acompanhar os exacerbamentos interiores que lhe são tão característicos é o que faz com que o queiramos rever.

6.9/10

2 comentários:

Anónimo disse...

Acho as três primeiras músicas do "Ringleader" matadoras. Já valeriam por si só o investimento para eu ter o disco na minha cedeteca.
Um detalhe curioso que percebi: Por exemplo, no disco anterior, o Morrissey perdoou Jesus Cristo. Agora ele pede ajuda a Deus, tentando convencê-lo a se colocar em seu lugar. Achei interessante esse contexto em "Dear God". No fim, não me importei tanto com o ritmo lento do instrumental desta canção. Acho que ajudado por sua indiscutível veia poética, o Morrissey tem dado seqüência às suas questões internas do disco anterior, tornando "Ringleader" conceitual. Bom... Quero saber onde essa atual saga do Morrissey vai acabar... continuo com meus ouvidos curiosos atentos. hehe! ;^)

Sílvia S. disse...

Eu não sei, a impressão que me dá é que "Dear God" é trocista (especialmente naquela parte do "spreading my legs"...lol),posso estar enganada.
No fundo o Morrissey é um dos ateus mais crentes da música.