Citizen Eraser
The Eraser é a aventura electrónica do ano. Sobretudo isso. Neste álbum, criador e criatura confundem-se sob os auspícios deste pseudónimo, lançados que estão os dados rumo a um jogo de descoberta que nos levará, como é habitual nas músicas e álbuns camaleónicos de Thom Yorke, o epicentro dos Radiohead, ao limite. O frontman do colectivo dá, finalmente, indulto ao egocentrismo - de que todos somos feitos vitimas um dia, por amarmos tanto as coisas que criamos - decidindo “gerar” um álbum à sua imagem e semelhança, qual um deus.
O terreno - movediço - em que presentemente se movimenta foi-nos primeiramente indicado por Amnesiac, e um ano mais tarde, reforçado como tendência maior em Kid A que mereceu os mais altos louvores da crítica, mas também algumas reacções de estranheza por parte do público: a unanimidade esbateu-se. E, se com os anteriores, Yorke parece ter iniciado a descida em direcção a um interior sinuoso e tortuoso, The Eraser faz esta ideia culminar na absoluta convicção de que Thom é, na realidade, uma espécie de Orfeu que revela o Inferno que pode ser a interioridade humana. Os cépticos dirão que este álbum é somente um espelho de indulgência e talvez até da prepotência ousada que um artista conceituado se pode dar ao luxo de revelar. Os mais crentes verão neste disco múltiplos estilhaços de um interior complexo e fragmentado. Paradoxalmente, nunca as letras de Yorke surgiram tão ligadas a significantes presos a raízes terrestres e a realidades palpáveis. A espontaneidade e veracidade lírica do seu último trabalho contrasta com a excentricidade de “dinossauros que voam pelos ares” de álbuns anteriores. The Eraser, é apesar disto, um disco de difícil digestão, o que não era, de resto, difícil de prever.
Skip Divided é centrípeta, com a voz de Yorke a exercer um magnetismo sem igual. Os efeitos sonoros de cariz nitidamente experimental, despido, ondulante e acutilante, colocam o enfoque na voz do “criador”. Neste seu Eraser, Yorke reduz-se (não se reduzindo de facto) à unidade mínima de quem canta: o spoken word não sendo rigoroso, é intuido e ganha nitidamente território. Em Atoms for Peace, o “semi-deus” canta (aqui sim) um doce refrão, o mais doce do disco. Talvez o único. The Eraser (a canção), é a terceira extensão de Yorke e do seu disco, e provavelmente a que mais fácil e rapidamente se identifica com os Radiohead. É o piano que faz a sua aparição e evoca em simultâneo um sem número de inícios de música típicos da banda, de Pyramid Song a Sail the Moon.
Os paralelos entre Kid A e The Eraser são inequívocos. O último nunca atinge picos de êxtase: é um disco de registo mais monocórdico, seguimento daquele profético Idioteque que apontou a direcção que o excêntrico músico tomaria.
Este álbum concretiza, então, uma espécie de braço de ferro entre Yorke e o mundo. É a hybris do herói que desafia convenções e aceitação e coloca tudo isso em risco, em nome de um bem maior: a liberdade criativa. Thom Yorke mostra na perfeição o quanto um criador pode fazer da autofagia o seu modo de vida, alimentando-se do seu interior e transformando-o em algo novo e exterior a si mesmo.
Se há uma coisa que se pode concluir em definitivo com esta aventura a solo de Thom Yorke, é o quanto ele e os Radiohead são na verdade inextricáveis. É caso para dizer, Where (do) I end and you begin? The Eraser não é pêra doce. Não. É pêra ácida.
4 comentários:
Seja como for, saíste te muito bem a descrever o indescritível X)Por agora ainda só ouvi o infame skip divided e merece sem duvida a referência que lhe fazes. Espero ouvir as outras e ficar tão ficcionada quanto estou nessa.
“I am a dog/ I am a lab dog/ I am Your lab dog” ( para trás e para a frente em jeito de Stewie) XD
Essa frase...tem que se lhe diga.
Como é tão simples e como é tão profunda. Como é tão despropositada e ao mesmo tempo tão reveladora e verdadeira.
(um colete de forças também, não te ocorre xD?)
Só uma pequena correcção: o Kid A (2000) é anterior ao Amnesiac (2001), o último é a sequela do primeiro.
Era isso que queria dizer xD.
Enviar um comentário