O que é que este terceiro tópico do título tem a ver com os restantes dois que estão obviamente ligados? Sigam o raciocínio...
Luís Machado: Gostava de abordar consigo os conceitos de amor e de paixão. Como é que o Professor os diferencia?
Agostinho da Silva: Se eu tivesse seguido uma carreira nessa área ter-me-ia dedicado à filologia, sobretudo às etimologias, na ligação com o indo-europeu. De maneira que, talvez por isso, sempre que posso, gosto de reflectir sobre essas coisas. A palavra latina que se identifica com o coração, a que nós damos funções que não são as do cérebro, pois ele faz o favor de fazer muito mais, a palavra latina é cordis, donde vem cordial – coração, afecuoso. Os Italianos, descendentes directos dos Romanos, chamaram-lhe cuore e os Franceses coeur. Mas nem os Portugueses nem os Espanhóis caíram nessa, deram-lhe mais importância! Introduziram-lhe um aumentativo, porque coeur deu em português “coração”, e em espanhol, corazón, com uma acentuação nítida no aumentativo. Para se ver como isto é claro, perguntem-lhes o que fizeram de “cabeça”? Fizeram a palavra “cabeção”? (…) Ora o coração é que é o pólo a que as coisas têm de se referir, é o sentimento, é… Mas ainda tem outra coisa, sabe? Coeur no indo-europeu, tem a mesma raiz que a palavra “acreditar” – credere –, portanto deu “crença”, “crer”, etc.
Sabe-se perfeitamente que o coração não é guia para a matemática, que é uma matéria complexa, a não ser quando serve para resolver problemas práticos. Desiste-se dela quando o teórico é muito difícil. Foi o que aconteceu com Einstein. Einstein, a pouca matemática que sabia (ele era sobretudo um poeta) aprendeu-a com a primeira mulher, que era uma grande algebrista. Esses conhecimentos foram úteis para a relatividade especial (…) a ideia de Einstein foi: vamos pensar o que é que no mundo aconteceria se a velocidade da luz fosse diferente…Bem…podemos imaginar duas coisas: uma velocidade duas vezes maior. E qual é a nossa noção de espaço e de tempo num mundo em que a velocidade é duas vezes maior? Mas ainda podemos imaginar coisa pior. Por exemplo, uma velocidade infinita – já não se trata de o comboio chegar lá, trata-se de o comboio ser solto dos céus, para baixo, para cair com alguma velocidade. Portanto, assim já é mais difícil conceber as coisas. (…) Entretanto, houve um dia em que o nosso amigo quis juntar as duas coisas, no que chamava o campo único, ou contínuo, mas não conseguiu através da matemática. Porque parece que no mundo há uma porção de coisas que escapam à matemática!
Sabe-se perfeitamente que o coração não é guia para a matemática, que é uma matéria complexa, a não ser quando serve para resolver problemas práticos. Desiste-se dela quando o teórico é muito difícil. Foi o que aconteceu com Einstein. Einstein, a pouca matemática que sabia (ele era sobretudo um poeta) aprendeu-a com a primeira mulher, que era uma grande algebrista. Esses conhecimentos foram úteis para a relatividade especial (…) a ideia de Einstein foi: vamos pensar o que é que no mundo aconteceria se a velocidade da luz fosse diferente…Bem…podemos imaginar duas coisas: uma velocidade duas vezes maior. E qual é a nossa noção de espaço e de tempo num mundo em que a velocidade é duas vezes maior? Mas ainda podemos imaginar coisa pior. Por exemplo, uma velocidade infinita – já não se trata de o comboio chegar lá, trata-se de o comboio ser solto dos céus, para baixo, para cair com alguma velocidade. Portanto, assim já é mais difícil conceber as coisas. (…) Entretanto, houve um dia em que o nosso amigo quis juntar as duas coisas, no que chamava o campo único, ou contínuo, mas não conseguiu através da matemática. Porque parece que no mundo há uma porção de coisas que escapam à matemática!
Bom, mas a paixão, o amor, são coisas que quando existem, é difícil que existam.
L.M: Acha que sim…?
A.S. : Eu acho. Quando você me diz: “Gosto muito de quintas”, eu posso perguntar-lhe de imediato: “Tem alguma?” E você responde-me: “Tenho uma!”. Então eu desconfio que isso não tem nada a ver com amor…É simplesmente o lucro, é a comodidade, qualquer coisa do género… Se, por outro lado, você me diz: “Não tenho nenhuma quinta, nem quero!” então aí eu já penso: “Este sabe o que é amar.” Como vê, são dois verbos distintos, o verbo “amar” e o verbo “ter”; a posse destrói sempre o amor.
Ainda a propósito de matemática, Agostinho a respeito de Deus:
Ainda a propósito de matemática, Agostinho a respeito de Deus:
“A matemática não pode provar que há Deus, nem pode provar que não há, portanto, é uma crença acreditar que há ou que não há.”
In: "Última Conversa com Agostinho da Silva "
(entrevista de Luís Machado)
3 comentários:
A. S. Uma personagem de admirar. Divergiu de tal maneira na resposta mas no fim colmatou com uma resposta, que fizeste bem em destacar, que encadeia todo o raciocínio e é tão simples e simultaneamente brilhante k nos deixa de boca a aberta.
Então a mulher do Einstein é ke merece os creditos!!! nao sabia... interessante, ms pois so mesmo uma mulher para ser mais inteligenti(p.j.) ***
Ele tem esse poder, é um contador de histórias em que o rumo que elas vão tomar nem sempre é óbvio. Acho que essa é a melhor maneira de narrar. O homem era uma fonte inesgotavel de histórias caricatas envolvendo personagens do mais alto gabarito.
[Domingo devo postar a do Salazar ;)]
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